Lançamentos Bienal do Rio 2015

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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Cory Doctorow - direitos autorais e hacktivismo Like a Boss


Cory Doctorow – Escrevendo sobre pirataria e copyrights like a boss


Olá, pessoas!

Antes de mais nada, vamos deixar um aviso rapidinho. Esse é um artigo adotado. Ele já foi publicado antes no meu ~~blog~~, mas como lá o negócio é desencargo de consciência e não apenas literatura, vamos levar esse texto a sério agora, okay? Além disso, no mês que se passou desde sua publicação inicial já saiu mais novidade.

Você já ouviu falar nos livros de Cory Doctorow?


Aqui no Brasil, eles são publicados pela Galera Record; Temos dois títulos: Pequeno Irmão (Little Brother), de 2012, e Cinema Pirata (Pirate Cinema), de 2013 (os anos citados são de lançamento no Brasil mesmo). Me intriga perceber que são livros quase ocultos pela gigantesca e infindável onda de romances YA, sobrenaturais e etc. Nada contra eles, nada mesmo (é, eu sou fã de uns, e algumas pessoas diriam que os livros de Doctorow são YA, acho.), mas numa editora de grande porte como a Record, era de se esperar que esse autor tivesse pelo menos meia dúzia de fanboys ou fangirls na book-blogsfera desse país.

Aleatoriedade à parte, vamos falar dos livros citados. Pequeno Irmão é a história de Marcus, a.k.a. W1n5t0n, uma dessas pessoas extraordinárias (essa é a minha opinião, me julgue.) que gosta de burlar o sistema e tem talento para isso. Não é, no entanto, uma pessoa que vá burlar o sistema para causar o caos, e sim dessas que quer cabular aula e sair para fazer coisas mais interessantes (esses somos ou fomos todos nós, acho). O que torna o livro diferente da maioria é o que vem depois.

San Francisco sofre um ataque terrorista; Marcus e seus amigos se misturam com uma multidão apavorada, são presos e interrogados como suspeitos. Ele é detido por três dias. Para serem soltos, são diplomaticamente convencidos (leia-se ‘obrigados’) a assinar declarações que isentam seus raptores de qualquer culpa ou inconveniência. Raptores que, por acaso, são o governo.

E, no entanto, o melhor amigo dele não é solto.

Sem mais detalhes, inicia-se aí a parte que mais me interessa no livro. Cory Doctorow conseguiu algo que surpreende, ou pelo menos surpreendeu a mim; Ele tornou o livro uma declaração, um alerta e um informativo.

Por meio dos olhos de Marcus, o leitor vê a transformação da sociedade através do medo. Em troca da suposta segurança, as pessoas começam a abrir mão dos direitos e da liberdade. Nas escolas, os alunos começam a ser questionados sobre as situações em que a Constituição e suas emendas podem ser ignoradas. Transeuntes são parados em metrôs, em carros, nas ruas; Pessoas comuns começam a ser questionadas por razões ínfimas.

O nome do livro é uma referência ao Grande Irmão, antagonista que nós conhecemos em 1984, de George Orwell. Os Pequenos Irmãos são o contra-ataque, as linhas de defesa, a minoria que age para proteger os direitos que estão sendo amplamente ignorados numa caça a fantasmas que podem ou não ser monstros reais. Eles são liderados (entre aspas. Eu considero mais um exemplo do que um líder) por M1k3y, o novo alias adotado por Marcus (por falar nisso, W1N5T0N também é referência a 1984 – o protagonista da obra de Orwell se chama Winston). Usando dos truques tecnológicos que já exploravam antes dos ataques, cidadãos comuns começam a minar o sistema.

Não vou fingir que entendi tudo o que foi explicado no livro sobre tecnologia. Sou dessas que entende o básico para ser uma pessoa ‘virtual funcional’. No entanto, mesmo que não se entenda o processo da criação, é simples entender o objetivo de cada ação planejada e detalhada na narrativa. Além disso, o autor expõe dados e estatísticas interessantes sobre a probabilidade de efetivamente capturar um terrorista em meio às interceptações de cidadãos comuns, o que eu de fato entendi e registrei como algo entre cômico e perturbador.

Pequeno Irmão é um desses livros que, apesar de contar uma história, é bem mais do que isso – tem uma nem tão sutil mensagem de liberdade de expressão e da sua importância.

Muito se fala dos direitos e deveres de um cidadão, mas não acho que conheça alguém que já tenha lido a nossa constituição. Da mesma maneira, não conheço quem tenha tido aulas de política aos 16 anos, idade a partir da qual podemos votar no Brasil. Mais ainda, não vejo oportunidades de aprender sobre nossos direitos e deveres factícios nas escolas, onde supostamente formamos cidadãos que serão parte importante e vitalícia da nossa sociedade. E, pior ainda, vejo provas irrefutáveis da ignorância da população (e nessa população eu incluo) geral em épocas de eleição, quando é comum ver uma declaração não feita sendo atribuída a uma figura política aleatória e lançada em redes sociais para final único de desinformação.

Não acho que iniciar petições e fazer passeatas vá nos garantir as aulas de política que queria que existissem, no entanto, se você está lendo esse texto é porque, assim como eu, tem acesso a essa coisas maravilhosa que é a internet. Assim como Cory Doctorow, reconhece o valor da informação. E, se ainda está lendo, pode-se dizer que é um dos interessados em conhecer.

Isaac Asimov já previa autodidatas nos anos ’80. Pessoas interligadas, conectadas e armadas de acesso a bibliotecas virtuais. Era da nossa geração que ele falava, pelo menos é nisso que eu acredito. Eu comecei falando de um autor, passei a falar de um livro e ainda falarei de outro antes de terminar esse artigo errante, no entanto, já que estamos aqui, eu gostaria de ressaltar: A idéia desse pseudo-artigo veio de um punhado de livros, páginas de wikipedia e artigos aleatórios lidos do fim de 2011 para cá. Imagine o que uma pessoa poderia fazer com uma biblioteca. Imagine o que uma pessoa poderia fazer com a internet.

Agora, continuando.

Já falei de Pequeno Irmão e sua estrutura propícia à proliferação de questionamentos. Agora, para trazer o tema para algo ainda mais próximo da nossa realidade, vamos falar de Cinema Pirata.

Em Pequeno Irmão, vemos o momento exato em que uma sociedade rígida se torna, de fato, uma distopia. Em Cinema Pirata, já começamos com os dois pés sendo vigiados, em sua totalidade de dez dedos, pelo Grande Irmão.

Trent é, como Marcus, um adolescente que tem habilidade de burlar as regras e um gosto pela atividade. Num sistema que pune duramente qualquer tipo ilegal de download, ele é pego por colecionar e remendar talentosamente filmes de seu ídolo, montando curtas e criando novas histórias. Por essa atividade criminal perigosa, corrompida e ameaçadora ao bem-estar populacional em geral, ele e sua família inteira são banidos da internet.

Sim, eu também achei o conceito muito extremista. Quase cruel. Ao ser banido da internet por um ano, Trent percebe o quanto era dependente dela. Para fazer seus filmes, ele precisava de matéria-prima, de filmes para cortar. Sua mãe precisava da internet para solicitações de ajuda por conta de problemas de saúde. O pai trabalhava online. A irmã, uma prodígio de notas máximas, precisava do acesso para pesquisas e trabalhos de escola.

Cinema Pirata inicia-se dessa forma. Trent foge de casa, assustado com as conseqüências de seus atos e envergonhado por elas também. Em Londres, ele acaba encontrando toda uma subcultura, um mundo underground de pessoas que poderiam viver como mendigos, mas comem como reis. Pessoas que poderiam ser indigentes, mas, na verdade, se viram muito bem fora do sistema.

É fora desse sistema que ele começa a se inteirar de como realmente funcionam as coisas – é apenas ao sair da bolha que ele passa a observá-la e ver o que está errado. Com Vinte (sim, o nome dela é 26, apelido Vinte), personagem relevante e tão essencial aos questionamentos quanto o próprio protagonista, Trent passa a observar e, eventualmente, enfrentar o sistema que criou as regras que ele quebrou, causando todos os problemas de sua família.

Como foi com Pequeno Irmão, os questionamentos estão muito presentes e nada escondidos (eu sei que é meio pleonasmo, mas entenda que a presença é tão forte que precisa ser duplamente citada). Na verdade, eles são ainda mais profundos, porque junto da perspectiva do erro, o autor apresenta a improbabilidade da correção. O que está errado está tão errado que reparar o sistema tornaria necessária a mobilização das pessoas que o corromperam. Para melhorar o sistema, seria necessário destruí-lo ou vencê-lo.

Apesar das previsões apocalípticas, quando olhamos bem para a nossa própria política, não há muito motivo para negar: Nosso sistema está quase tão corrompido quanto o de Trent, e acredito que esteja tão irreparável quanto.

Eis um quote lindo do livro no que refere à rotulação de downloads como roubo:

“... se é apenas roubo, por que as penalidades não são as mesmas que para roubo? Furte um filme da locadora e pague uma multa de vinte libras, se é que paga. Baixe o mesmo filme no Pirate Bay na Romênia e eles colocam você na cadeia. Vai entender.”

Acho que ainda não foi citado que Cinema Pirata é, em parte, inspirado em protestos contra projetos como SOPA, PIPA e ACTA (vocês se lembram deles?), mas é dito nos agradecimentos do autor no início do livro. É quase impossível falar de copyrights e liberdade na internet sem lembrar dessas (quase) leis.

Quando falamos em pirataria, pensamos em milhões sendo perdidos por causa de operações escusas envolvendo a venda ilegal de produtos baratos, criminosos perigosos que ganham dinheiro com o trabalho dos outros, mas uma grande parte é de adolescentes sem dinheiro baixando coisas que eles de fato apreciam (e, em alguns casos, que comprarão quando tiverem o dinheiro, ou comprariam se tivessem) sem lucrar nada. O mesmo vale para livros; No entanto, Cinema Pirata abre nossos olhos para alguns fatos relevantes, e o próprio autor é um registro dissonante (assista Minority Report): Cory Doctorow deixa seus livros disponíveis para download gratuito em seu site. Em um artigo no site da Forbes, inclusive, levanta pontos interessantes sobre isso.

“A maioria das pessoas que baixa o livro não acaba comprando-o, mas não o teriam comprado de qualquer maneira, então eu não perdi nenhuma venda, apenas ganhei audiência. Uma pequena minoria de downloaders trata o e-book gratuito como um substituto para o livro impresso – essas são as vendas perdidas. Mas uma minoria bem maior trata o e-book como uma incitação à compra do livro impresso. Essas são vendas ganhas. Enquanto as vendas ganhas superarem as perdidas, eu estou à frente do jogo. Afinal, distribuir um milhão de cópias do meu livro não me custou nada.”

Embora o download ilegal em si seja hoje, em geral, uma infração, não é um crime hediondo digno da atenção massiva do legislativo e da imprensa do nosso país, – ou de qualquer outro – e há casos em que essa distribuição massiva e gratuita pode ser vantajosa. A pirataria que visa o lucro pode ser considerada um crime maior, mas as punições impingidas ao internauta como um todo acabam gerando todo esse... problema.

Chegando então às considerações finais desse artigo que acabou ficando ainda maior do que o imaginei, vamos voltar a falar das vantagens de se ler Cory Doctorow:

Dificilmente o leitor compra um livro tão político, informativo e bem estruturado propositalmente (é, eu tenho a minha geração em baixa conta). Se você não é desses e procura por conteúdo além de romance ou aventura (não que falte dos dois, tem o suficiente de ambos), não deixe de ler os livros de Doctorow – os questionamentos só são interessantes porque você se importa com o contexto no qual eles são apresentados, ou seja, os personagens e acontecimentos são de fato interessantes. Se você é dos que procuram por esse tipo específico de conteúdo, vá em frente: vale a pena.

Apesar de eu focar esse texto na parte mais séria dos livros, a narrativa é muito fácil de acompanhar, os personagens são cômicos e desbocados, as situações são hilárias (principalmente em Cinema Pirata) e o desenrolar da história é delicioso. O fato de o autor de fato chamar o leitor a conhecer mais dos seus direitos e deveres, efetivamente exercê-los e até mesmo VOTAR não deve ser levado em conta se for te fazer desistir da leitura (novamente, peço desculpas às pessoas que estão indignadas com a minha desilusão generalizada). Mas, sinceramente, acho que livros como esse são a salvação da nossa geração alienada (O DRAMA!).

E, só para não passar batido, ficam essas pequenas referências de Doctorow nos nossos grandes sucessos literários atuais: O autor Scott Westerfeld o rotula como ‘Inovador’ em seu livro Tão Ontem (So Yesterday), nos créditos finais. Em Jogador Nº 1 (Ready Player One), de Ernest Cline, Doctorow foi citado brevemente como Presidente do Conselho de Usuários do OASIS junto com Wil Wheaton (de acordo com o protagonista-narrador, ele, como a grande maioria dos caça-ovos, votaria para reeleger os dois de novo. Fica a impressão de um trabalho bem feito e até de uma certa admiração de um autor pelo outro (mas eu sou influenciável e minha opinião é apenas a minha opinião). Na verdade, acho que foram esses easter-eggs que me fizeram prestar mais atenção em Cinema Pirata quando saiu.

Detalhe: Acabou de sair (em 05 de fevereiro) a continuação de Pequeno Irmão, Homeland, e eu já estou esperando o meu chegar! Apesar disso, Little Brother pode ser lido como standalone.

Acho que é isso. Provavelmente deu pra perceber que eu recomendo esses livros, mas lê-los é uma escolha individual de cada leitor. Se decidir lê-los e sentir a mesma vontade intensa e curiosa de estudar um pouco da estrutura política ao seu redor (mesmo que seja escondido, “só pra saber”), por favor, compartilhe isso comigo. Eu simplesmente não suportaria ser a única.

Esse é um artigo escrito por Regina N. Umezaki, que resolveu pesquisar sobre a licença usada por Cory Doctorow em usar nesse texto também. Os termos estão ali em baixo, gente linda


Bibliografia / Bibliography:

Pequeno Irmão, de Cory Doctorow;
Cinema Pirata/Pirate Cinema, de Cory Doctorow;
Jogador Nº1, de Ernest Cline;
Tão Ontem, de Scott Westerfeld;
 Artigo na Forbes;
Wikipedia;
O site do autor;
Creative Commons;

A previsão de Isaac Asimov mencionada:


Veja também a constituição brasileira.


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