Lançamentos Bienal do Rio 2015

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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Contos de Rosario - O Dia Escuro - #4




O Dia Escuro
Eu caminhava por Rosario vendo as pessoas vivendo suas vidas naquele mundo que eu criei e me sentia bem por vê-las felizes. Crianças brincavam, pais de família saiam para buscar sustento, um velho bêbado era enxotado de uma taverna pelo dono desta. Porem, até ele parecia feliz em estar fora de si e parecia não se importar com a ressaca que sentiria mais tarde.
Subi naquela grande arvore e olhei para as rosas que cercavam Rosario. Estavam carmins como eu as criei. Continuei ali observando tudo por um tempo que não sei precisar se foram horas ou minutos. O que tirou minha atenção daquele pacato vilarejo foi uma nuvem escura e um raio que cortara o céu no mar a frente de Rosario. A nuvem escura se aproximava com rapidez e os moradores correram pra suas casas procurando lugares secos pra se proteger de uma chuva inesperada.

Eu não imaginei uma chuva nesse dia em Rosario.
Não sei o que me fez olhar para as rosas justamente naquele momento. Mas eu olhei. Elas agora estavam ficando negras. Mas não estavam murchando. Simplesmente deixaram de ter aquele belo vermelho carmim para adotar uma cor preta. Olhar para aquela mudança me fez sentir ódio, tristeza e uma sede que jamais sentira. Sede de vingança. Eu não entendia aquilo.

Senti uma gota no meu rosto. Sequei aquela gota com as costas da mão e quando olhei para aquela gota de chuva, vi que não se tratava de água. Naquele momento em Rosario, chovia sangue.
Tentei fazer com que aquela chuva parasse e a paz voltasse. Mas nada adiantou.
Desci da grande arvore e andei até o buraco no muro feito de rosas que um dia eu abri. Sem que eu quisesse, ele se abriu novamente.
Eu o atravessei e parei em frente à placa onde havia escrito o nome do meu vilarejo. Olhei para o muro de rosas e ele se fechara.
Fiquei ali parada sentindo aquela chuva mórbida e aquele cheiro de morte quando de repente um pássaro enorme de grandes penas vermelhas e laranja, pousou alguns metros a minha frente e ficou me olhando. Seus olhos pareciam ser feitos de fogo. Lembrei então de uma aula que tive na escola sobre seres mitológicos. Um em especial me encantou quando o professor Santiago me falou a respeito dele. Fênix. Era isso. O pássaro que na hora de sua morte pega fogo e passado algum tempo renasce das próprias cinzas.
Mas porque havia uma fênix aqui? Eu não criara nem um pássaro assim.
Minha atenção foi tirada do fato de ter uma fênix no meu mundo por um tremor na grama sobe meus pês. Olhei para a grama e vi surgir ali um caminho de pedras brancas que reluziam bem a minha frente. O caminho se estendia para dentro de uma floresta que eu não me lembrava de ter criado.
Olhei para aquele pássaro e ele parecia me dizer algo. Nossos olhos se encontraram e eu gelei quando senti o que aquele pássaro fazia ali. Mesmo sem entender o que estava acontecendo eu corri o mais rápido que pude por aquele caminho. Estava tudo confuso. Como aquele pássaro podia me ver? Porque ele estava ali se eu não o criara? E aquela floresta? Porque chovia sangue? Porque as rosas mudaram de cor àquela hora e ficaram pretas?
Eram perguntas que eu iria encontrar a resposta, mas apenas depois de descobrir porque aquele pássaro veio a mim trazendo um pedido de socorro. 

***
O choque de encontrar um casebre tão distante de rosario e dentro de uma floresta inexistente até então me fez parar bruscamente. Eu estava ofegante. Tentava achar sentido naquilo tudo quando um grito de mulher acompanhado de um choro de bebê me fez avançar para dentro do casebre. O choro de bebê continuava, mas o grito cessara. Quando eu entrei naquele casebre que parecia extremamente inapropriado para conter algum morador vi no chão o corpo de um homem de um pouco mais que trinta anos de idade. O corpo estava de bruços no chão sob uma possa de sangue. Ele segurava uma faca o que mostrava que ele tentara proteger-se e proteger aquela mulher e o bebê, os quais eu ouvi. Virei o rosto para não ver aquela cena triste. Mas a culpa ainda estava ali. Eu não fiz nada para impedir aquilo. Meus olhos encheram-se de lagrimas.
Eu avancei para dentro de um quarto onde havia uma cama e um berço. Sobre a cama estava uma linda mulher, muito jovem, de longos cabelos negros deitada fintando o vazio. O vestido branco que usava estava agora encharcado pelo seu sangue.
Uma lagrima.
Dirigi-me ao berço onde o bebê ainda chorava. Entalhado em uma madeira muito trabalhada manualmente estava escrito Éliter Sainel. "Eu não batizei nem uma família com esse nome" pensei. Mas naquele momento, não importava. Eu peguei aquele bebê e o enrolei com o manto que estava no berço. Vi aquela cena triste.
Mais uma lagrima. Outra.
Naquele momento eu havia entendido. Eu já não comandava mais aquele mundo. A dor que um dia me encontrou no mundo fora de mim, também havia me encontrado no mundo que eu criei.

***
Sai do casebre carregando aquele bebê que agora eu sabia que se chamava Éliter Sainel. Um barulho de galho quebrando despertou meu instinto de proteção. Olhei para a floresta. Silencio. Um farfalhar de folhas me fez olhar para a direita de onde eu estava. Vi um homem correr para dentro da floresta. Quando eu estava prestes a correr atrás dele, o pássaro que me enviou o pedido de socorro pousou na minha frente impedindo meu ato impulsivo.
Ele se aproximou e olhou para o bebê. Seus olhos novamente encontraram-se com os meus e eu entendi o que aquele pássaro queria. Amarrei Éliter da forma mais segura que pude e entreguei-o aquele pássaro.
Ele pegou parte do manto com o bico, tomando cuidado para não machucar o bebê e abriu suas enormes asas para levantar voou. Fiquei ali, admirando aquele pássaro de fogo, cortando os céus.

Virei-me novamente para o casebre e era como se o tempo tivesse passado mais rápido ali. As plantas que cercavam o casebre tinham morrido. A madeira da qual o casebre era feito apodrecera.
Olhei para o céu e já não estava mais chovendo. Mas o clima ainda refletia a tristeza daquele momento.
Quando estava me voltando para o caminho de pedras brancas que já não reluziam mais, eu vi duas luzes brancas saindo do telhado do casebre e indo para o céu. Eram o senhor e a senhora Sainel.
Fiquei olhando a chegada deles no céu e senti que suas almas estavam em paz, apesar da morte tragica. Senti os olhos da senhora Sainel em mim. Eles mostravam alegria e dor. Naquele momento queria não ter sentido o que senti. Queria não ter visto o que estava refletido nos olhos daquela mãe, que teve sua vida interrompida de forma trágica. Em seus olhos vi que sua aflição não era a dor da morte, mas sim a certeza do futuro difícil que seu filho teria.
Mais uma lagrima.
Quando as almas do senhor e da senhora Sainel subiram para o céu eu me voltei para o caminho de pedras brancas.  Enquanto caminhava tentava me conformar com o fato de eu não controlar mais aquele mundo e que a dor finalmente o encontrou.

Já era noite quando cheguei a Rosario. Parei cabisbaixa em frente ao muro de rosas, e ele se abriu novamente. Antes de atravessa-lo ouvi o canto da fênix. Eram notas lamentosas. A homenagem dela aquela família. “Cuide bem do Éliter amiga” eu disse em pensamento. Então entrei em Rosario. Lá a vida tinha voltado ao normal. Caminhei até a grande arvore ouvindo os comentários dos moradores de Rosario, sobre o que teria causado a chuva de sangue. “Foi um dia escuro, querida.” Disse um idoso a sua neta, que não entendia aquilo. “Dia escuro” pensei. Subi na grande arvore e olhei novamente para as rosas. Elas agora estavam azul fluorescente. No céu havia uma lua avermelhada e nuvens escuras ao seu redor. Tudo ainda mostrava o que aquele dia representava. “Um dia escuro” pensei novamente.
Em silencio batizei aquele dia como o ultimo da semana em Rosario. O Dia Escuro. O dia em que o caos existe. Mas, a partir do nascer do sol do primeiro dia da semana, o caos dará lugar ao recomeço.

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Contos de Rosario - O Dia Escuro - #4 de Brenda Santos é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
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